sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2011 FELIZ E PRÓSPERO

MENSAGEM

Reisado Infantil Dedé de Luna do Muriti (Crato-Cariri-Brasil) - Foto de Júlio César

Corri
mundo e quintal
buscando as palavras certas para um fim-de-ano

Revirei
memória e papéis
catando assunto para uma mensagem de ano-novo

Futuquei
blogues e sítios
garimpando pedaços de alma
para compor o que poderia chamar de ode à liberdade e ao amor

Andei demais
e quando voltei a mim
encontrei uma vontade imensa
de chorar choro de revolta e alegria
aquela, contra a miséria e a exploração
esta, louvando a esperança de ver brotar uma era de paz e felicidade

Cacá Araújo
Crato-Cariri-Brasil

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ave símbolo da preservação



Pássaro de rara beleza, o Soldadinho-do-Araripe indica onde há fontes naturais. Porém, está em risco de extinção

O Soldadinho-do-Araripe não recebeu esta denominação por acaso. A ave mais ameaçada de extinção do Ceará foi descoberta há 14 anos, completados no último dia 10. Deverá receber no próximo ano um ambiente protegido, por meio da criação de uma Unidade de Proteção Integral. A luta para a sobrevivência da espécie rara depende agora de conservar o seu habitat, que se traduz consequentemente em preservar as fontes naturais e o único trecho de mata atlântica da região do Cariri, nas áreas de encosta da Chapada do Araripe entre os Municípios de Crato, Barbalha e Missão Velha.

E o presente para a natureza e para esta ave parece estar mais próximo. A novidade foi que este mês a região recebeu a visita de técnicas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio). O objetivo foi verificar “in loco” as condições para que seja efetivado o desenvolvimento do projeto de criação de uma Unidade de Conservação que abranja a área onde se concentram as principais fontes de água. Nesses pontos o pássaro costuma se fixar e as fêmeas verde-oliva fazem seus ninhos. O macho da espécie se diferencia pelas cores preta, vermelha e branca.

Primeira aparição
O Soldadinho-do-Araripe foi visto pela primeira vez em 1996, pelos biólogos Weber Girão e Artur Galileu de Miranda Coelho, professor da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE). Dois anos depois foi descrito cientificamente com o nome de Antilophia bokermanni. Os trabalhos de pesquisa começaram a ser feitos por meio da Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), de Caucaia, com projeto aprovado junto à Associação de Aves de Pernambuco e à Fundação Boticário.

Um novo levantamento das espécies foi concluído recentemente pela Aquasis, que fixou base na região, com a finalidade de dar maior profundidade às pesquisas sobre a ave e atuar no processo de preservação. O terceiro estudo, desde o lançamento do primeiro plano de conservação, em 2007, aponta o tamanho populacional do Soldadinho. A nova pesquisa foi realizada nas fontes de água onde o pássaro se concentra.

De acordo com o pesquisador e descobridor da espécie, que atualmente reside no Cariri, Weber Girão, houve uma ampliação no número de fontes pesquisadas na Área de Proteção Ambiental (APA). A elevação no número de fontes foi de 60% para 93%. Dessas áreas foram enumerados apenas 177 casais reprodutivos, sem incluir os filhotes. Isso, segundo ele, torna o resultado mais robusto. Dentro da sua análise, 500 exemplares da espécie, em condições reprodutivas, poderiam garantir a preservação da ave, sem o risco de extinção global. Mas essa garantia se tornaria mais efetiva com a inserção da Unidade de Preservação Integral. Consequentemente seriam preservados os mananciais aquíferos da região.

Segundo Weber, outro resultado alarmante é a estimativa de que um, em cada seis pássaros, se extinguiu devido ao encanamento irregular de nascentes, sem que os 50 metros de área de preservação permanente fossem respeitados, segundo o Código Florestal. om essa realidade, cerca de 36% dos exemplares do Soldadinho-do-Araripe já desapareceram, devido aos encanamentos irregulares, associados ao desmatamento. Mas ele afirma que a boa notícia é que esta situação poderá ser revertida com a simples adequação das nascentes à legislação ambiental.

De acordo com o biólogo, as estimativas de declínio da espécie são moderadas. Para se ter uma ideia mais acertada dessa realidade, será necessário calcular o valor da perda associada à diminuição da floresta úmida, habitat do Soldadinho. Na melhor das hipóteses, essa área já foi reduzida para 23% de seu tamanho original. A pesquisa também mapeou os setores onde o pássaro encontra-se hoje mais ameaçado.

O início das pesquisas foi a partir da dissertação de mestrado de Weber, integrante da Aquasis. Foi a partir daí que se pensou no plano de conservação da espécie. Essas aves vivem no ambiente de encosta da Chapada do Araripe.

A degradação desse pedaço de natureza da Chapada do Araripe, com os mananciais de água necessários à sobrevivência humana, também indicam o desaparecimento do Soldadinho. A ave se torna um símbolo da preservação da natureza regional. Desde que avistado pela primeira vez, com o seu canto e beleza diferenciados, o passarinho passou a ser alvo de um trabalho na luta pela sua preservação.

As atividades de avaliação, um dos passos decisivos na conservação da espécie, contaram com a contribuição das técnicas do Instituto Chico Mendes. Elas vieram de Brasília representar a Diretoria de Unidades de Conservação de Proteção Integral (Direp). Gabriela Leonhardt e Eliana Maria Corbucci puderam conhecer a espécie e seu habitat. Outro aspecto importante foi manter contato com os moradores das comunidades do entorno, que são, nesse momento, essenciais dentro do projeto de construção da nova unidade.

Gabriela destaca a importância de conservação da espécie e de todo o ecossistema associado, com os recursos hídricos e que só existem na região. Eliana afirma que está sendo realizado estudo para se verificar a forma mais adequada, onde se possa conciliar a preservação da ave com as demandas humanas.

Nova consciência
A ave é a única naturalmente endêmica do Ceará. A conservação da espécie, diz Weber, já seria um símbolo para a proteção da natureza no Estado. “A relação íntima com a água faz desta ave uma bandeira para uma nova consciência sobre a forma como nos relacionamos com a paisagem, da qual dependemos totalmente para sobreviver. Além destes motivos lógicos, a espécie é deslumbrante, o que facilita sua adoção como um ícone do Cariri pela sociedade”, explica o pesquisador.

No Brasil, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza, 10% de todas as aves do mundo estão ameaçadas de extinção. Na pesquisa se inclui o Ceará, com o Soldadinho. O risco iminente de sua extinção é uma realidade. No Cariri, o fenômeno vem ocorrendo há muito tempo.

MAIS INFORMAÇÕES
Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), Praia de Iparana, S/N
Caucaia
Tel.: 85. 3318-4911

Elizângela Santos
Repórter

Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia (Caderno Regional, 27.12.2010)

domingo, 26 de dezembro de 2010

ESTADO DO CARIRI

Os reclamos incessantes da população do Sul do Ceará referentes ao desenvolvimento socioeconômico e atenção política devem ser materializados na luta em prol da criação do Estado do Cariri. 

Foto de Cacá Araújo


Na Assembléia Nacional Constituinte de 1987, o Deputado Federal cearense Furtado Leite apresentou emenda à Comissão de Organização do Estado propondo a criação do Estado do Cariri, "com desmembramento da área do Estado do Ceará abrangida pelos Municípios de Iguatu, Solonópole, Carius, Jucás, Saboeiro, Aiuaba, Antonina do Norte, Campos Sales, Assaré, Altaneira, Potengi, Araripe, Nova Olinda, Farias Brito, Crato, Juazeiro do Norte, Caririaçu, Grangeiro, Várzea Alegre, Lavras da Mangabeira, Cedro, Icó, Umari, Baixio, Ipaumirim, Aurora, Barro, Missão Velha, Milagres, Abaiara, Mauriti, Brejo Santo, Jati, Porteiras, Penaforte, Jardim, Barbalha, Santana do Cariri, Parambu, Catarina, Acopiara, Orós e Tauá (...)"¹.

Em verdade, podemos afirmar que tal propositura tem sólido amparo no potencial histórico, cultural e econômico da região. "Já em 16 de agosto de 1839 o Senador José Martiniano de Alencar entrou com pedido de criação do Estado do Cariri, no Senado do Império (...). Depois, o Deputado Estadual Wilson Roriz, em 1957, entrou na Assembléia Legislativa do Estado do Ceará com um projeto pedindo a autorização de um plebiscito sobre a criação do Estado do Cariri, tendo sido rejeitado."²

O Ceará é um estado que, na prática do poder central, caracteriza-se pela apartação que vitima o Cariri na desatenção a suas crescentes demandas culturais, econômicas e sociais, além de vergonhoso desprestígio e ou cooptação política de suas lideranças.

Começamos, então, ou melhor dizendo, recomeçamos a gloriosa luta em defesa da criação do Estado do Cariri. Pretendemos congregar o povo, seus historiadores, estudiosos da geopolítca e antropologia, sociólogos, artistas de todas as linguagens, intelectuais, mestres da tradição popular, repórteres, radialistas, jornalistas, religiosos de todas as crenças, políticos das diversas correntes ideológicas. Necessitamos conquistar a independência, no sentido de libertar o Sul do Estado "da escravidão tributária"³ e promover o bem-estar da população e o desenvolvimento socioeconômico.

Este "blogue" terá a missão de articular e documentar opiniões e ações que convirjam e contribuam com o glorioso ideal separatista. Não se trata de uma luta do sertão contra o mar, mas do desejo de ver distribuídas e respeitadas as condições de existência digna, liberdade e justiça social. A separação é a única alternativa restante à salvação do Cariri! Por isso, desde agora alertamos a população caririesne para priorizar a eleição de representantes comunitários e sindicais, líderes de clubes de serviço, vereadores, prefeitos, deputados, senadores... que tenham compromisso em atuar nas fileiras que defendem a urgente criação do ESTADO DO CARIRI.

Estamos articulando o ATO EM DEFESA DO ESTADO DO CARIRI, a ser realizado no dia 3 de maio, aniversário da Proclamação da República no Cariri (ocorrida no Crato em 1817), que terá a participação de todas as cidades envolvidas na luta dos dias de hoje. O local, horário e modo de operação serão previamente divulgados. Os interessados em contribuir positivamente na discussão podem inicialmente enviar mensagem para o endereço eletrônico do professor e dramaturgo cratense Cacá Araújo (cacaraujo66@yahoo.com.br), e, posteriormente, integrar grupo de discussão virtual e de autores do nosso "blogue".

Atenciosamente,

Prof. Cacá Araújo
cacaraujo66@yahoo.com.br
(88) 8801.0897

Citações:
¹Emenda oferecida à Comissão da Organização do Estado, Assembleia Nacional Constituinte, 1897, pelo Deputado Federal Furtado Leite.
²Idem
³Idem

Veja a íntegra da emenda no "linque": www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/.../vol-82.pdf



sábado, 25 de dezembro de 2010

JORNALISTA DA CAPITAL DESPREZA A ARTE E OS ARTISTAS DO INTERIOR

Acabei de ler uma reportagem numa página assinada por Magela Lima intitulada "Ceará de tantas e tantas cenas" (O Povo, edição de 24.12.2010). Achei-a pobre e descabida. Uma análise de quintal, para divulgação de poucos amigos, com todo o respeito, típica de quem não se dá ao trabalho de considerar o que se realiza em outras regiões do Ceará. O leitor desavisado jamais saberá que existem o Cariri/Centro Sul, o Sertão Central, Sobral/Ibiapaba etc.

Pois saibam todos, inclusive o Sr. Magela Lima, que existe uma profícua e diversificada produção de teatro e dança no Cariri cearense e em outras localidades. Uma matéria num jornal de circulação nacional da estirpe do O POVO não poderia ser tão estreita e apequenadora das artes e dos artistas do interior do estado. Pecaram, o jornal e o repórter, pela falta de pesquisa.

As "tantas e tantas cenas" do Ceará não se resumem aos amigos de Fortaleza. Estendam a visão ao conjunto do estado e verão um mundo bem maior e mais belo que o desenhado no medíocre e infeliz "balanço" do jornalista Magela.

Ainda há tempo de desfazer o equívoco. Dou uma dica: só no Cariri, organizando-se em cooperativa, temos mais de 20 companhias de teatro e dança em plena e farta produtividade. Muitas delas com 5, 10, 20, 25 anos de atividade. Quase todas com elenco profissional e funcionamento permanente, fundado em pesquisa.


Um forte abraço!!!

Cacá Araújo
Crato-CARIRI-Ceará-BRASIL
Ator e Diretor de Teatro
Registro Profissional na DRT-CE nº 0764
Matrícula no SATED nº 0759
Tel.: (88) 8801.0897

ALGUMAS CENAS DO CARIRI










 Fotos de Gessy Maia

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Feliz Natal...

CANOA AFOITA



É tempo de quentura fria

Quero ver-te para contigo cear
nunca parar
nunca sumir
e estar em ti
feito vulcão
como pluma
bruma, brisa e furacão

É tempo de fervura
de ousadia e luminura

Lapinhas, limão, laranja, cachaça
reisado, sanfona, zabumba
caretas, catirinas, mateus e bois-bumbás

É tempo
de renovar o sagrado
profanando-o com a nossa alegria devota e insubmissa

Somos de vento
pó, pedra, água, luz, sal, borra, floresta e deserto

Que
se faça o grito
se desenhe o rito
se acorde o sonho
manifeste o punho

Nosso barco
veleja, viceja, peleja, combate
e almeja atracar no cais da dignidade

O caminho
da paz é minado

O templo
dos falsos profetas
conserva o pecado e os pecadores
para alimentar a existência dos deuses, da exploração e do sacrifício

O tempo do amor
faz das infinitas horas de choro e sangue
orações em favor de uma era de igualdade

Remaremos nós
náufragos da sorte
em canoa afoita rio acima
bravos e heróicos em busca do beijo da felicidade


Cacá Araújo

Natal do Ano 2010
Crato-Cariri-Ceará-Brasil

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A festa do Natal no folclore do Brasil

Lapinha de Mãe Celina (Crato-CE-Brasil) / Foto: Cacá Araújo
Por Mariza Lira
O ciclo das festas de Natal vai de 24 de dezembro até o dia 6 de janeiro, dia de Reis, mas os preparativos começam muito antes.

Essa festa tradicional que desde o alvorecer da Idade Média se vem filtrando através das gerações, chegou ao Brasil trazida pelas primeiras levas de colonizadores lusos.

A festa de Natal propriamente dita abrange a missa que é rezada à meia-noite e segundo se diz, o povo a chamou de "missa do galo", porque a essa hora é que os galos começam a cantar. Há ainda os presépios e os autos pastoris.

A noite de Natal também é conhecida, no Brasil, como "noite santa". E o maior atrativo da "noite santa", para os católicos é a missa do galo, que se realiza em quase todas as paróquias do país.

Não é que o santo ofício não seja assistido pelos fiéis com toda a religiosidade, mas, a saída e o regresso da missa é que constituíam o encanto dos namorados e o divertimento dos gaiatos.


Antigamente nos coretos que se armavam nos adros das igrejas, a filarmônica local, a "charanga", como se diz por aí, alegrava o povo tocando músicas ruidosas.

Os namorados dos velhos tempos aproveitavam a confusão para um piscado de olho significativo, um sorriso cheio de promessas e alguns, mais ousados, ao aperto de mão, ao beliscãozinho, que antigamente se usava, ou mesmo a uma ligeira jura de amor.

Os gaiatos na confusão da saída amarravam as pontas dos xales das rotundas "carolas", isto é, das velhotas igrejeiras, prendiam com alfinetes, duas a duas, as saias das negras ou punham rabos nos fraques e sobrecasacas dos senhores austeros.

As vitimas quando se apercebiam do ridículo, quase sempre mostravam o seu desagrado energicamente e os mais irritados ameaçavam "céus e terra".

Os pândegos de longe gozavam as reações das vítimas.

Os valentões e capoeiras, "por dá cá aquela palha", trocavam tabefes e rasteiras, mas tudo não passava de "um susto e uma carreira", como se dizia então.

Depois da missa era quase que uma obrigação a visita aos presépios, fossem eles armados nas igrejas ou em qualquer casa particular.

A idéia de reproduzir a cena de Belém, partiu de São Francisco de Assis, que em 1223 armou o primeiro presépio com pessoas e animais verdadeiros desenvolvendo cenas reais.

E agradou de tal modo a idéia, a todo o mundo católico, que, desde então, o hábito de se armarem presépios pelo Natal, espalhou-se por toda a Europa cristã.

Em Portugal, segundo frei Luiz dos Santos, o primeiro presépio foi armado no convento das Terras do Salvador, em Lisboa, também com personagens e animais verdadeiros.

No Brasil desde o século XVI, se armam presépios na Bahia, Rio e em Pernambuco, onde o primeiro foi devido à iniciativa do franscicano Frei Gaspar de Santo Antônio.

Há uma antiga descrição em verso , feita pelo poeta baiano Joaquim Serra da qual se conclui que os presépios do passado pouco diferem dos presépios do presente:

Céu de estrelinhas douradas,
Estrelas de papelão:
Brancas nuvens fabricadas
De plumagem de algodão!
Anjos soltos pelos ares,
Peixes saindo dos mares,
Feras chegando d'além.
Marcha tudo, e vem na frente
Os Reis Magos do Oriente
Em demanda de Belém!
E está a Lapa; o Menino
Nas palhas deitado
Com um sorriso de alegria,
Todo doçura e amor!
Contempla o quadro divino
São José ajoelhado,
E a santíssima Maria
De Jericó meiga flor

Ao presépio o povo ligou uma superstição. Está generalizada em todo o Brasil a crença de que quem arma presépio um Natal tem que fazer durante sete anos para alcançar as bênçãos de Deus e se não o fizer tudo andará para trás.

Ingênuas crendices do povo.

No Rio antigo ficou registrado, nas velhas crônicas, o presépio do cônego Felipe, na ladeira da Madre de Deus; era tão completo e tão suntuoso que era honrado com a visita de dom João VI.

Não menos famoso foram os do convento da Ajuda e da ladeira de Santo Antônio.

Outro presépio, citado pelos cronistas antigos foi o do Barros, carpinteiro estabelecido com uma oficina, à rua dos Ciganos, hoje Constituição.

Sempre houve espalhados aqui e ali, nos vários pontos da cidade, presépios que o povo visitava com religiosidade e encantamento.

Muito popular foi um armado numa casa modesta da rua Ana Néri, próximo à matriz de Nossa Senhora da Luz.

Era uma cenografia ingenuamente pitoresca, mas com movimentação elétrica, ao som dos discos passados em vitrola.

O povo afluía a ele de todos os pontos da cidade.

Os autos pastoris foram introduzidos em Portugal, em 1502, no reinado de dom Manuel.

A rainha dona Beatriz encomendara ao poeta Gil Vicente, um auto pastoril para festejar o nascimento do príncipe dom João.

A câmara da rainha foi transformada num presépio e o príncipe profanamente comparado ao Menino Jesus.

Anos após chegavam ao Brasil os autos pastoris. Informa Serafim Leite que um dos primeiros autos representados no Brasil foi a Écloga Pastoril, exibida em Pernambuco, em 1574.

Essa festividade teve o máximo esplendor no norte a leste do Brasil e ainda constitui aí a nota tradicional mais pitoresca.

Adquirindo feição própria e variável nos vários estados do Brasil, esses autos natalinos tomaram denominações diversas; autos ou bailes pastoris; pastoras ou pastoris; cheganças e reisados; marujadas; fandangos da barca.

Revivendo uma reminiscência pagã, no norte, centro e leste do país, o mais típico desses autos é o bumba-meu-boi, havendo variantes como o boi-bumbá e outros.

Na região do São Francisco há o "rancho da burrinha", como devem haver outros festejos desse tipo, com outras denominações, espalhadas por esse Brasil afora.

É interessante observar que enquanto o auto das pastoras e pastorinhas conserva o aspecto geral da primitiva pureza e ingenuidade, os pastoris, o bumba meu boi e suas variantes tornaram-se um tanto profanos e até com acentuado sabor livre, de acordo com o feitio do organizador e o meio donde surgiu.

Nos autos das pastoras o argumento gira em torno do nascimento de Jesus, enquanto que nos pastoris, no bumba-meu-boi e seus congêneres, prende-se ao tema da morte e ressurreição. Nas cheganças e marujadas o motivo principal é a luta entre mouros e cristãos.

Todos eles são constituídos de monólogos, diálogos declamados, canções, duetos, coreografia numa dramatização conhecida, tradicional mesmo ou organizados por apreciadores do divertimento.

Daí muitos desses folguedos de Natal serem tão variáveis. E não se pense que essa variabilidade ou o modo de se apresentar esse ou aquele auto é criação nossa. Entre os povos cristãos da Europa nós os vamos encontrar em variantes bem semelhantes.

No Brasil há bailes pastoris tradicionais como o do Marujo, o do Meirinho, o da Lavadeira, o do Elmano, os dos Quatro Pastores, o da Catarina, o do Velho Terêncio e tantos que seria quase impossível enumerá-los, muitos deles são fragmentos e adaptações de outros tantos de procedência peninsular.

É preciso compreender que esses autos e bailes pastoris não variam apenas de estado para estado, cidade ou lugar, mas, até de ano para ano.

Isso porque o povo que os apresenta, não os cria originalmente, presencia-os, observa-os em qualquer lugar, em qualquer época e, só então, apresenta-os com características suas ao seu feitio.

Cumpre, pois, aos mais instruídos recolhê-los e sem deturparem as características regionais, reconstitui-los isentos de erros e lacunas que só nos viriam diminuir.

É o caso do Auto das Pastoras 24 de Dezembro, coligido em Pernambuco, sua terra natal, pela mestre musicóloga Ceição Barros Barreto que o apresentou, ao público, lindamente reconstituído.

Os grupos pastoris percorrem as ruas durantes as noites festivas, parando diante das casas previamente avisadas.

Ao canto do pedido de licença, as portas se abrem de par em par. O grupo festivo entra e desenvolve o poema musicado.

Melo Morais Filho, o grande cultor de nossas tradições, durante algum tempo organizou interessantes grupos de pastoras, para festejar o ciclo do Natal.

De sua residência em São Cristóvão partia o grupo alegrando as ruas do então aristocrático bairro, visitando as residências amigas que o recebiam festivamente.

A jornada terminava, com o bumba-meu-boi.

Esse brinquedo natalino é uma perfeita amálgama de reminiscências.

A principal figura é o boi, arcabouço de pau, grosseiramente coberto, escondendo um homem, cujos movimentos, marcha e cabeçadas são semelhantes aos do boi. A cabeça ou é de papelão ou é uma caveira autêntica, revestida de qualquer maneira, deixando respontar os chifres do animal.

O vaqueiro, caracterizado como os nossos caboclos sertanejos, traz o agulhão, vara comprida com um ferrão na ponta, com que tange o boi.

Há personagens vários como o rei, com coroa de latão; o secretário, pomposamente vestido; o doutor; a Catarina; o padre; o Mateus; negro escravo; o capitão do mato. lembrança da escravidão: o Sebastião; o Arrequinho, corruptela de Arlequim; pastoras, negros, índios e outros mais.

O cavalo-marinho, o mestre Domingos, a cobra verde, o sapo, o diabo são personagens variáveis.

O grupo é guiado pelo Mateus, em alguns pontos confundido com o vaqueiro, que vai gritando: Eh! Boi. Eh! Boi.

Nas casas e lugares previamente marcados o bumba-meu-boi desenvolve o poema até que o animal cai inanimado.


O vaqueiro então grita dramaticamente: O meu boi morreu, quem matou meu boi?

Enquanto o médico e o mágico pretendem reanimá-lo o vaqueiro vai cantando uma versalhada referente do exame do boi até que o médico inicia o testamento ou partilha do boi, mais ou menos neste estilo:

A rabada
É pra rapaziada;
O mocotó
É pro seu Jacó;
Um pé e a mão
É pra seu capitão;
A tripa de cima
É pra minha prima;
A tripa de baixo
E pro seu Camacho;
Os panos do figo (fígado)
É pra meus amigos;
E o bofe
É pro regabofe;
A ponta do janeiro
Pra fazê um tabaqueiro;
A testa do boi
É pra vocês doi;
O rim
Eu quero pra mim;
E a tripa gaiteira
E pras moças solteiras.

E assim improvisando rimas, vai o doutor distribuindo as diversas partes do boi até que ele ressuscita.
Acaba a representação com a despedida em coro:

Retirada, meu bem retirada.
Acabou-se a nossa função;
Não tenho mais alegria
Nem também consolação.
Bateu asas, cantou o galo,
Quando o Salvador nasceu,
Cantam anjos nas alturas,
Glória in excelsis Deo!

O testamento do boi, partilha simulada entre os presentes, nada mais é que a comunhão simbólica usada em todas as religiões.

A partilha faz desaparecer a culpa.

A ressurreição do boi representa a remissão geral.

O auto do bumba-meu-boi, ingênuo divertimento popular, é a expressão singela dos antigos rituais de sacrifício.

Por toda a parte, do solar a choupana a mesma alegria sadia e pura na noite de Natal.

Nessa noite nos lares não faltava a ceia — ou melhor — consoada.

Nelas figuravam as guloseimas típicas; rabanadas ou fatias do céu, bolo de Natal, castanhas, nozes, amêndoas, avelãs, passas, figos secos, tâmaras, canjiquinhas, bolos de bacalhau, um mundo de coisas gostosas.

À meia noite abria-se o vinho, a champagne, todos bebiam e se congratulavam desejando Bom-Natal, Boas-Festas.

Em muitas casas havia bailes e era hábito também os seresteiros percorrerem as ruas fazendo serenatas.

Esse costume de desejar Boas Festas, que hoje usamos, foi legado pagão, que as mais antigas civilizações nos deixaram.

As congratulações com troca de presentes, festas com cantos e danças eram usadas pela volta da primavera, marcando o início das colheitas, conforme encontramos na mitologia.

Os gregos conservaram a tradição transmitindo-a aos romanos.

Os primeiros cristãos adaptaram a usança à sua data magna — o Natal de Jesus.

Desde então é o mesmo entusiasmo por essa época festiva.

Nos bons tempos as casas se enchiam de forasteiros. As cidades, as vilas e mesmo os lugarejos se movimentavam.

As vitrinas e os mostruários das lojas transbordavam de novidades, presentes de toda a espécie, "festas" que uns davam aos outros, tradição que o encarecimento da vida está fazendo desaparecer.

Dar festas era quase que uma obrigação. Cada um a cumpria de acordo com suas posses.

Os "senhores" abastados não trepidavam em oferecer de festas um escravo prestimoso ou uma crioula chibante.

Desde as vésperas de Natal os escravos cruzavam as ruas levando festas "que meu sinhô mandô, desejando Bom Natal e Boa Saídas e Melhores Entradas".

E eram presentes de valor: baixelas e faqueiros de prata, jarrões da China, animais de montaria, leitões, perus, jóias, perfumes, flores.

Até os escravos gozavam regalias excepcionais nesse dia.

Ganhavam roupa nova, tinham licença para ir à missa do galo, recebiam uns cobres e assim gozavam a folga à "tripa forra".

As crianças eram surpreendidas, pela manhã, com as meias de brinquedos nos sapatinhos e não davam sossego à família com os apitos, gaitas e chocalhos.

Mas, as meias e o Papai Noel de importação européia, são relativamente recentes e variam nos diversos pontos do Brasil conforme a influência imigratória.

Os caixeiros das velhas casas comerciais, que antigamente permaneciam abertas até às dez horas da noite, dormiam nas lojas, às vezes sobre os balcões e tinham poucas saídas anuais.

Pelo Natal puxavam das velhas arcas ou dos baús de folha, a roupa de "ver a Deus e à Joana", como se dizia então, calçavam sapatos rinchadores e saiam a tirar o "pó do lodo" ao menos naquela noite.

As casas comerciais presenteavam os fregueses com caixotes de vinhos, champagne, presuntos, caixas de passas e outros brindes caros.

Os mais modestos enviavam folhinhas de cromos coloridos com a respectiva propaganda da casa.

Os jornais enchiam-se de cartões de boas-festas, que os amigos desejavam entre si, os negociantes e as casas comerciais, faziam anúncios espetaculares de suas especialidades.

Assim era o Natal de outros tempos.

(Lira, Mariza. "A festa do Natal no folclore do Brasil". Diário de Minas. Belo Horizonte, 25 de dezembro de 1951) 
Fonte: http://www.jangadabrasil.com.br/revista/dezembro

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Aldo Rebelo: Monteiro Lobato no tribunal literário

O parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) de que o livro "Caçadas de Pedrinho" deve ser proibido nas escolas públicas, ou ao menos estigmatizado com o ferrão do racismo, instala no Brasil um tribunal literário.

 
A obra de Monteiro Lobato, publicada em 1933, virou ré por denúncia -é esta a palavra do processo legal-de um cidadão de Brasília, e a Câmara de Educação Básica do Conselho opinou por sua exclusão do Programa Nacional Biblioteca na Escola.

Na melhor das hipóteses, a editora deverá incluir uma "nota explicativa" nas passagens incriminadas de "preconceitos, estereótipos ou doutrinações". O Conselho recomenda que entrem no índex "todas as obras literárias que se encontrem em situação semelhante".

Se o disparate prosperar, nenhuma grande obra será lida por nossos estudantes, a não ser que aguilhoada pela restrição da "nota explicativa" -a começar da Bíblia, com suas numerosas passagens acerca da "submissão da mulher", e dos livros de José de Alencar, Machado de Assis e Graciliano Ramos; dos de Nelson Rodrigues, nem se fale. Em todos cintilam trechos politicamente incorretos.

Incapaz de perceber a camada imaginária que se interpõe entre autor e personagem, o Conselho vê em "Caçadas de Pedrinho" preconceito de cor na passagem em que Tia Nastácia, construída por Lobato como topo da bondade humana e da sabedoria popular, é supostamente discriminada pela desbocada boneca Emília, "torneirinha de asneiras", nas palavras do próprio autor: "É guerra, e guerra das boas".

Não vai escapar ninguém - nem Tia Nastácia, "que tem carne negra". Escapou aos censores que, ao final do livro, exatamente no fecho de ouro, Tia Nastácia se adianta e impede Dona Benta de se alojar no carrinho puxado pelo rinoceronte: "Tenha paciência - dizia a boa criatura. Agora chegou minha vez. Negro também é gente, sinhá...".

Não seria difícil a um intérprete minimamente atento observar que a personagem projeta a igualdade do ser humano a partir da consciência de sua cor. A maior extravagância literária de Monteiro Lobato foi o Jeca Tatu, pincelado no livro "Urupês", de 1918, como infamante retrato do brasileiro. Mereceria uma "nota explicativa"?

Disso encarregou-se, já em 1919, o jurista Rui Barbosa, na plataforma eleitoral "A Questão Social e Política no Brasil", ao interpretar o Jeca de Lobato, "símbolo de preguiça e fatalismo", como a visão que a oligarquia tinha do povo, "a síntese da concepção que têm, da nossa nacionalidade, os homens que a exploram".

Ou seja, é assim que se faz uma "nota explicativa": iluminando o texto com estudo, reflexão, debate, confronto de ideias, não com censuras de rodapé.
O caráter pernicioso dessas iniciativas não se esgota no campo literário. Decorre do erro do multiculturalismo, que reivindica a intervenção do Estado para autonomizar culturas, como se fossem minorias oprimidas em pé de guerra com a sociedade nacional.

Não tem sequer a graça da originalidade, pois é imitação servil dos Estados Unidos, país por séculos institucionalmente racista que hoje procura maquiar sua bipolaridade étnica com ações ditas afirmativas.

A distorção vem de lá, onde a obra de Mark Twain, abolicionista e anti-imperialista, é vítima dessas revisões ditas politicamente corretas. País mestiço por excelência, o Brasil dispensa a patacoada a que recorrem os que renunciam às lutas transformadoras da sociedade para tomar atalhos retóricos.

Com conselheiros desse nível, não admira que a educação esteja em situação tão difícil. Ressalvado o heroísmo dos professores, a escola pública se degrada e corre o risco de se tornar uma fonte de obscurantismo sob a orientação desses "guardiões" da cultura.

Fonte: Folha de S. Paulo

Filme expõe porões da tortura no Brasil

Quarenta anos depois, contundentes imagens de como se dava a tortura aplicada pela ditadura e desconhecidas no Brasil chegam timidamente ao país. No documentário "Brazil, a report on torture" ("Brasil, o relato de uma tortura"), parte do grupo de 70 ativistas da luta armada que foram trocados pelo embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, em 1971, relata e encena práticas como pau de arara, choque elétrico, espancamento e afogamento.


O objetivo era denunciar no exterior o que ocorria nos porões da ditadura brasileira.

O filme foi realizado em 1971, em Santiago, no Chile, para onde os brasileiros foram banidos. O documentário foi uma iniciativa dos cineastas americanos Haskel Wexler e Saul Landau, que estavam no Chile para produzir material sobre o presidente Salvador Allende e souberam da presença dos brasileiros.

Quase todos os guerrilheiros que deram depoimentos não assistiram ao filme até hoje. Dois deles se suicidaram alguns anos depois: Frei Tito e Maria Auxiliadora Lara Barcelos, uma das mais próximas amigas da presidente eleita, Dilma Rousseff, no período da Var-Palmares, no início da década de 70.

Nas imagens, os ativistas simulam vários tipos de tortura, como uma pessoa tendo seu corpo esticado, com pés e mãos amarrados entre dois carros. Simulam a "mesa de operação": sem roupa, ou só de cueca, o torturado deita na mesa, tem os braços e pernas amarrados nas extremidades e sofre pressão na espinha. Uma barra de ferro, no alto, tem um barbante amarrado aos testículos. A pessoa era obrigada a ficar por duas ou três horas na posição, suportando o peso do corpo com as mãos e braços.

O jornal O Globo enviou cópia a alguns dos protagonistas, que somente agora tiveram acesso ao documentário e relembraram o depoimento. Jean Marc Van der Weid, hoje diretor de uma ONG de agricultura alternativa, defendeu a luta armada no filme como única maneira de o povo chegar ao poder no Brasil ditatorial:

"Nunca tinha visto. Era um filme de denúncia contra a ditadura e produto de um momento inteiramente diferente de hoje. Não me lembrava nem do que falei. A ideia da luta armada era generalizada em quase todas as organizações de esquerda", disse Jean Marc, que era presidente da UNE quando foi preso e atuou na Ação Popular (AP).

Militante do PCBR, Elinor Mendes Brito aparece no documentário contando detalhes das técnicas de tortura, demonstrando no corpo de sua companheira de organização Vera Rocha Pereira em que partes eram aplicados os choques elétricos.

"Me sinto até mal assistindo hoje a essas imagens, fazendo isso com companheiros. 'Torturar' uma amiga, na demonstração, foi um horror. É um filme muito realista, e o objetivo era mostrar exatamente como eram as técnicas. Não era forçação de barra. Era emocional", disse Elinor Brito, que foi torturado em quatro instalações militares distintas. Hoje, Brito é funcionário da Comlurb, no Rio.

Fonte: O Globo

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

LÁGRIMA

Foto de Stálin Araújo

Por que não chega
A raiva, o ódio e a rebeldia
Deste amor profano?
E eu beberei até o sol sair
Me tostar as faces

Por que não chega
A fome e a falsa coragem
de gritar, subir, pular
Cair d'um edifício?
E acabarei co'a dor
Morrendo em teu louvor

Por que tu não não vens de noiva?
Pra me afogar na cama
Pra me acender o corpo
E amar, correr, suar
Melar, gemer, urrar
E só sair de dentro
Quando o amor se destruir
Se o amor se destruir
Fugir, morrer, saltar
Pela janela

Por que não chega
A decisão, o sim, o não
A flor, a faca?
Pra me mostrar o brilho, se for
Ou a escuridão


Cacá Araújo

Crato-Cariri-Ceará-Brasil

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Culturas Indígenas

Guarani é oficializado como segunda língua em município do Mato Grosso do Sul


O guarani é a segunda língua oficial do município de Tacuru, no Mato Grosso do Sul. O município é o segundo do país a adotar um idioma indígena como língua oficial, depois da sanção, pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 24 de maio, do Projeto de lei que oficializa a língua guarani em Tacuru. Com a nova lei, os serviços públicos básicos na área de saúde e as campanhas de prevenção de doenças neste município devem, a partir de agora, prestar informações em guarani e em português.

O primeiro município do Brasil a adotar idioma indígena como língua oficial, além do português, foi São Gabriel da Cachoeira, localizado no extremo norte do Amazonas. Além do português, São Gabriel tem três línguas indígenas oficiais: o Nheengatu, o Tukano e o Baniwa.

Em Tacuru, pequeno município no cone sul do estado do Mato Grosso do Sul, próximo ao Paraguai formado por uma população de 9.554 habitantes, segundo estimativa do IBGE de 2009, 30% de seus habitantes são guarani residentes na aldeia de Jaguapiré, situada no município. A maioria dos 3.245 indígenas de Tacuru não é bilíngue, ou seja, fala somente o Guarani o que dificulta o acesso aos serviços públicos mais essenciais.
Com a nova lei, a Prefeitura de Tacuru se compromete a apoiar e a incentivar o ensino da língua guarani nas escolas e nos meios de comunicação do município. A lei estabelece também que nenhuma pessoa poderá ser discriminada em razão da língua oficial falada, devendo ser respeitada e valorizada as variedades da língua guarani, como o kaiowá, o ñandeva e o mbya.

O Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-MS) elogiou a aprovação da medida e argumentou que o Brasil é multiétnico e que o português não pode ser considerado a única língua utilizada no país.  O MPF lembrou que o Brasil é signatário do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que determina que, nos Estados onde haja minorias étnicas ou linguísticas, pessoas pertencentes a esses grupos não poderão ser privadas de usar sua própria língua.

A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os Povos Indígenas e Tribais determina, dentre outras coisas, que deverão ser adotadas medidas para garantir que os membros das minorias étnicas possam compreender e se fazer compreender em procedimentos legais, facilitando para eles, se for necessário, intérpretes ou outros meios eficazes.

Em Paranhos, também no Mato Grosso do Sul, tramita um projeto de lei semelhante ao aprovado em Tacuru, que propõe a oficialização do idioma guarani como segunda língua do município. Em Paranhos existem 4.250 indígenas guarani. Em todo o estado do Mato Grosso do Sul são 68.824 indígenas, divididos em 75 aldeias.

Para o secretário da Identidade e Diversidade Cultural/MinC, Américo Córdula, a oficialização da língua guarani em mais um município brasileiro vai ao encontro das políticas culturais desenvolvidas pelo Ministério da Cultura de proteção e promoção dos saberes tradicionais dos povos indígenas.

No mês de fevereiro (de 2 a 5), a SID/MinC realizou, juntamente com a Itaipu Binacional, o Encontro dos Povos Guarani da América do Sul - Aty Guasu Ñande Reko Resakã Yvy Rupa que reuniu cerca de 800 índios da etnia do Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina, em Diamante D”Oeste, no Paraná, para discutir formas de fortalecer o intercâmbio cultural entre as comunidades dos quatro países.

“Temos no Brasil uma comunidade de aproximadamente um milhão de indígenas, formada por 270 povos diferentes, falantes de mais de 180 línguas”, informa Córdula. Segundo ele, a população indígena brasileira é detentora de uma grande diversidade cultural, que deve ser protegida por seu caráter formador da nacionalidade brasileira. Com esse objetivo, a SID/MinC já realizou dois prêmios culturais (2006 e 2007) voltados para as comunidades tradicionais indígenas. Foram investidos R$ 3,6 milhões para a premiação de 182 projetos em todo o Brasil.

Este ano, no mês de março, foi criado o primeiro Colegiado de Culturas Indígenas, formado por 15 titulares e 15 suplentes representantes do segmento. No último dia 1º, foi eleito o conselheiro do Colegiado para o Plenário do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC).

Maria das Dores do Prado, da etnia Pankararu, foi escolhida para defender, junto ao CNPC, as políticas públicas voltadas para a valorização da cultura de todas as comunidades indígenas brasileiras. Um das reivindicações defendidas pelo segmento durante a Conferência Nacional de Cultural, realizada em março, quando se deu a eleição do Colegiado, é a manutenção de todas as línguas nativas.
(Heli Espíndola-Comunicação/SID)

Publicado por Karina Miranda no site do MINC.

Fonte: http://revistaraiz.uol.com.br

domingo, 19 de dezembro de 2010

Nascimento do Menino Deus é teatro vivo nas lapinhas

Lapinha de Mãe Celina (Crato-CE-Brasil)

Por mais antiga que seja, a tradição natalina de montar lapinhas continua presente nas famílias cearenses
 
Crato. Universal, abrangente, calorosa. Assim é a festa de Natal, uma das mais coloridas celebrações da humanidade, é também a maior festa da cristandade, da civilização surgida do cristianismo no Ocidente. Não há quem consiga ignorar a data por mais que a sociedade de consumo insista em transformar o evento num banquete profano, no qual a figura importada do Papai Noel procura assumir o lugar do Menino Jesus.

O Natal trás de volta a lapinha, uma das mais expressivas manifestações da cultura popular do Cariri, carregando consigo o mais puro sentimento cristão do povo simples. É o caso da Lapinha Viva de "Mãe Celina" , do Bairro Muriti, representada por personagens do presépio, que são vividos por jovens da comunidade, a maioria da mesma família, que trazem no sangue a arte de reisado do Mestre Dedé de Luna e a religiosidade de dona Celina Luna que, há mais de 50 anos, arma sua lapinha na sala da frente de sua casa num ato, segundo afirma, de devoção.

Este ano, a Lapinha "Mãe Celina" vai se apresentar na cidade de Aurora e no Centro Cultural do Banco do Nordeste, em Fortaleza. No Crato, a apresentação será no dia 6 de janeiro. Dia de Reis que, segundo a tradição cristã, seria aquele em que Jesus Cristo recém-nascido recebera a visita dos três Reis Magos: Melchior, Gaspar e Baltazar. Nesta data, encerram-se para os católicos os festejos natalícios - sendo o dia em que são desarmados os presépios e, por conseguinte, são retirados todos os enfeites natalícios.

"A influência ancestral dos três principais mundos formadores da alma brasileira permanece pulsante na vida do sertanejo simples, cuja religiosidade se manifesta à flor de seus atos e ditos", diz o folclorista e dramaturgo Cacá Araújo, lembrando que "é na efervescência dessa estética universal que nascem e se fortalecem as tradições culturais populares. Em nosso caso, resultantes do caldeamento cultural ocorrido entre os indígenas donos da terra, os brancos ibéricos invasores e os negros de várias nações para cá trazidos como escravos".

Longe dos grandes gastos feitos por algumas pessoas durante o período natalino para ornamentar suas residências, comércios e ruas, as irmãs Mazé e Penha Luna revivem o Natal, usando como principal matéria-prima o amor pela festa do nascimento do menino Jesus e a união familiar, que é o exemplo maior da família sagrada formada por Jesus, Maria e José.

A casa de mãe Celina, no Muriti, é um verdadeiro ateliê, onde as irmãs Mazé e Penha Luna fabricam artesanalmente a indumentária dos grupos folclóricos (lapinha, reisado e pastoril) que fazem do Crato a "Capital da Cultura" do Cariri. O património cultural e artístico de uma comunidade constitui o maior legado que se pode deixar às novas gerações. O conhecimento, a recriação e a divulgação da sua cultura popular contribuem decisivamente para o fortalecimento dos laços sociais, para o enriquecimento humano das suas gentes e para a dinamização econômica local e regional. A lapinha, portanto, é mais do que um auto de Natal. É a expressão de uma arte popular que está enraizada na alma de pessoas simples que ajudam a conquistar o futuro cada vez mais globalizado, fortalecendo os alicerces da identidade e os valores ancestrais que caracterizam esta comunidade.

Para a mestre da Cultura Mazé Luna, a dramatização do tema, além de manter uma tradição familiar, surgiu como necessidade de mais fácil compreensão do episódio da Natividade. A cena parada, embora de sentido evocativo, do nascimento de Jesus, movimenta-se, ganha vida, sai do seu mutismo, com a incorporação de recursos, não apenas visuais, também sonoros. "É uma forma simples de interpretação do texto sagrado", justifica Mazé.

História
Conta a Bíblia que um anjo anunciou para Maria que ela daria a luz a Jesus, o filho de Deus. Na véspera do nascimento, o casal viajou de Nazaré para Belém, chegando à noite de Natal. Como não encontraram lugar para dormir, eles tiveram de ficar no estábulo de uma estalagem. E ali mesmo, entre bois e cabras, Jesus nasceu sendo enrolado com panos e deitado em uma manjedoura. Pastores que estavam próximos com seus rebanhos foram avisados por um anjo e visitaram o bebê. Três Reis Magos que viajavam há dias, seguindo a estrela guia igualmente, encontraram o lugar e ofereceram presentes ao Menino: ouro, mirra e incenso. No retorno, espalharam a notícia de que havia nascido o filho de Deus. A Lapinha assume, neste contexto, uma espécie de demonstração da prevalência do Cristianismo sobre as crenças e religiões dos outros povos. Entretanto, não escapa à aculturação decorrente dessa convivência O presépio, em sua forma original, fiel à dignidade da homenagem que pretende prestar ao nascimento de Jesus, é tipicamente hierático: dramático, na sequência das cenas e sacramental no modo de ser cristão. Caracteristicamente piedoso na maneira humilde e respeitosa de ser religioso, explica Maria da Penha Luna, irmã de Mazé, esclarecendo que a lapinha é a reconstituição dramática popular da visita dos três Reis Magos ao recém-nascido Jesus, com o fim de lhe ofertarem presentes.

Representação
Sua significação é inspirada na representação quase que ainda medieval, com pessoas interpretando santos, bichos e coisas da natureza como simples e profunda louvação ao Deus-Menino, até a complexa peça de antropologia cultural que traz em si grande parte da história da humanidade. A professora Veridiana Pedrosa diz que lá estão não só símbolos de culto cristão, católico, "mas fortes traços que nos remetem aos primitivos tempos em que o homem vivia em diálogo e harmonia com a natureza". Lembra que a lapinha está na alma da criança. É como protesto inconsciente a mercantilização do Natal que pretende transformar Papai Noel no herói do momento.

Tradição

"A lapinha é tradição familiar e uma forma simples de interpretar o texto sagrado"Mazé de LunaMestra da cultura

"A lapinha é ainda a reconstituição da visita dos três Reis Magos ao menino Jesus"Maria da Penha Luna,
Folclorista

"Na lapinha estão fortes traços que nos remetem aos primitivos tempos"Veriadiana Pedroza
Professora

FESTEJOS

Apresentação termina no Dia de Reis


Crato. Desde sua origem, o Natal é carregado de magia. Gritos, cantigas, forma rudimentar do culto, um rito de cunho teatral, o drama litúrgico ou religioso medieval ganha modificações no decorrer dos séculos. Dos templos, a teatralização ganha praças, largos, ruas e vielas, carros ambulantes, autos sacramentais e natalinos.

O folclorista e dramaturgo, Cacá Araújo, destaca que, no Cariri, as lapinhas vivas apresentam praticamente as mesmas características dramáticas de outrora, sendo acrescidas quase sempre da louvação de um grupo de Reisado, que também representa a peregrinação dos Reis Magos a Belém, pertencendo ambos ao ciclo natalino, e, às vezes, de uma Banda Cabaçal. Quando se juntam os três folguedos, multiplica-se a beleza estética, o brilho dramático, o riso brincante, o alcance histórico. O folclorista acrescenta que "o fortalecimento e a difusão do folclore e das manifestações tradicionais populares, a exemplo das lapinhas, devem servir principalmente à causa do (re) descobrimento de nossa identidade cultural, pois que oferecem uma farta leitura do mundo em variadas dimensões e diferentes tempos. É a história se doando generosamente à elaboração de um novo pensamento, que dê vazão a sinceras atitudes libertárias, que restabeleça o espírito e a festa da dignidade humana, da democracia, do respeito à natureza, da felicidade, do amor", complementa.

Diz o folclorista Câmara Cascudo, ainda, que a lapinha é a denominação popular do pastoril, com a diferença de que era representada a série de pequeninos autos, diante do presépio, sem interferência de cenas alheias ao devocionário.

Por lapinha, segundo Cascudo, seria denominado o pastoril que se apresentava diante dos presépios, ou seja, o grupo de pastoras que faziam as suas louvações na noite de Natal, cantando e dançando diante do presépio, divididas por dois cordões - o azul e o encarnado, as cores votivas de Nossa Senhora e de Nosso Senhor. Em outras palavras, tratava-se de uma ação teatral de tema sacro.

Enquanto o presépio representa uma das tradições natalinas, assim como a árvore de Natal, a lapinha ainda se encontra bem conservada, particularmente no Nordeste do Brasil. O folclorista Câmara Cascudo ressalta, em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, que, por tradição, a Sagrada Família se recolheu a uma caverna (uma lapa ou gruta), onde nasceu Jesus. Vem, daí, o termo lapinha.

Antônio Vicelmo, Repórter do DN



Fonte: Diário do Nordeste, Caderno Regional, em 19/12/2010.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Oswald Barroso: Sertão de Poesia

O Cedro que eu conheci no início dos anos oitenta do século passado ainda era o município de pequenos sitiantes produtores de algodão, com a usina de sua cooperativa agrícola, a escola técnica e várias indústrias em pleno funcionamento, além de um comércio muito ativo, ares de antigo centro ferroviário, lugar próspero, onde corria algum dinheiro na zona rural e se podia contratar um cantador de viola ou um sanfoneiro dos bons para uma noitada inteira.

Por Oswald Barroso*

Talvez por isso, guardasse marcas da pequena Atenas cabocla que fora, espécie de São José do Egito cearense(1) , ou de Assaré de Patativa, já que naqueles sítios, apesar da faina intensa sobrava tempo para ouvir rádio e sonhar poesia.

Imagino que ali, durante a primeira metade do século 20, quando Idalzira nasceu, o cabra em vez de nascer chorando, como costuma acontecer, já nascia cantando, porque versejar era como falar. Então, veja lá, havia dentro de casa o pai João Bezerra, exímio poeta, e Joan ainda fala de um “Tio Clóidio” que na certa por ali andava. Além do mais, é preciso lembrar, o Cedro não por acaso ser berço de Geraldo Amâncio, um dos maiores cantadores brasileiros da atualidade, nascido exatamente nos meados dos mil e novecentos. Poesia, portanto, no meio em que Idalzira foi criada, era patrimônio familiar e comunitário, pra lá de literatura e arte, assunto cotidiano, jogo e divertimento, motivo para disputa, exibicionismo, duelo e desafio.

Sob inspiração das musas eram organizados torneios, festivais, com gêneros diversos de disputas, que incluíam perguntas e advinhas. Provas nas quais os contendores, homens ou mulheres, careciam mostrar poderes mágicos com as palavras, através de arranjos intrincados de sons, e arrotar valentia, como se estivessem manejando espadas invisíveis. Conforme o caso, precisavam fazer tremer o inimigo com versos indecifráveis e rimas terríveis, ou comover o coração das mais resistentes donzelas com a narrativa de romances enternecedores.
 

Talvez, principalmente, da intimidade do lar se nutrisse aquela poética, porque naqueles sítios de então, a vida se completava em rima. Digo pela forma como Idalzira fala de sua própria experiência: “Eu rimo quando estou triste/Para as mágoas espantar/Rimo quando tenho saudades/Pois é muito feio chorar/Rimo quando estou contente/Rimo quando estou ausente/Querendo te abraçar.” E de jogos e brincadeiras, as rimas se espalhavam por afetos, sentimentos, desejos, angústias, saudades, aflições, em conversas de salas, cozinhas, alcovas e alpendres principalmente. Demoravam-se em sessões nas quais a palavra falada, cantada de preferência, medida, exata, bem escolhida, era cultivada e cultuada, debulhada em cordéis, fabulada em histórias que narravam desde os mitos da origem dos tempos até a última novidade apregoada na feira ou ouvida no rádio.

Em sítios assim, orgulho maior é ser membro de uma prole de poetas, trovadores, repentistas ou especialistas outros do verso, como a família Bezerra de Idalzira. Não por acaso, Erivan, o caçula, perde completamente a modéstia para seguir a tradição, quando afirma sua pertença a esse clã. Diz ele, numa bela quadra: “Eu sou a pedra turquesa/Minha mãe é uma safira/Sou filho de Idalzira/Poeta por natureza.” E não está mentindo, pois se trata de uma família onde o cultivo da arte poética é bem herdado, estando justificada a admiração recíproca, embora, como afirma com autoridade Joan, o filho mais velho, a mestra indiscutível seja a mãe.

xxx

Visitei o Cedro, quinze anos depois de haver lá morado, dessa vez como repórter, e também Morada Nova, outro município onde havia do mesmo modo trabalhado como educador em cooperativas de pequenos produtores de algodão. Outra era a realidade. Distritos e sítios esvaziados, plantações abandonadas. Comércio mais ativo só no dia de pagamento dos aposentados. A população envelhecera, o interior definhara. No Cedro as poucas indústrias, casas de comércio maiores e centros educacionais haviam fechado. A juventude emigrara. Nos sítios, principalmente, estabelecera-se um sentimento de abandono na fala dos velhos.

Talvez por isso, a sensação que me veio ao ler a carta de Idalzira para Joan sobre o mote: “De uma casa cheia de gente/Só resta um gato e um cancão”, foi o de estar frente a uma nova “Triste Partida”, de um canto social, como o de Patativa do Assaré. Um canto de tristeza dos que ficaram e, porque não dizer também, dos que partiram. De uma família de sitiantes que vê seus filhos irem-se, um a um, às vezes para nunca regressarem. Por isso, o canto de Idalzira é geral e dói além de sua dor particular. É a dor do migrante e de sua terra, é a dor de dois terços do mundo. É a dor de um coração partido.

Mas a dor de Idalzira é também só dela e única, porque se foi Joan e depois, tão menino ainda, Erivan, o caçula. Logo ele. Nem adiantou o consolo da visita à residência universitária e o conselho ao filho, de colocar na parede uma gravura do sol brincando com a lua, no lugar da foto de uma mulher nua (na certa por causa da rima, pois ela queria certamente era que o filho colasse a gravura de uma santa). Nada preenche o vazio na casa após a partida dos filhos. Nem os bichos: “O cancão, meu grande amigo/Canta e pula sem parar/O gato fica a miar/Pensando que não lhe ligo/Porém baixinho lhe digo/Não tenha ciúme não/Que é grande meu coração/Amo a todos igualmente./De uma casa cheia de gente/Só resta um gato e um cancão...”

Se para quem fica o vazio não tem tamanho, para quem vai a dor tem a mesma proporção, como mostram esses versos antológicos de Joan: “Volto a pegar no papel/Pra mais uma vez escrever/Tentar assim combater/Esta saudade cruel/Que amarga como fel/Corrói o peito da gente/Dá uma dor tão pungente/Que quase eu dou razão/A quem mata a solidão/Em um copo de aguardente.”

"O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente".
Fernando Pessoa
E o que é tão grande para uma mãe quanto o vazio de uma casa sem os filhos? Um vazio que nem a zoada de um cancão e de um gato, de madrugada pedindo comida, abala? O que pode preencher a espera de uma mãe solitária enquanto sonha em reunir a família no final do ano? A poesia, Sultão! Responderia a princesa Sherazade.

A maga Idalzira também é iniciada nesse segredo. Para preencher o vazio de seu mundo, armou uma dimensão de versos e rimas. Fez-se aranha rainha, lançou suas linhas e estendeu sua teia entre os caibros, ligando filhos e netos. Dor e solidão, distância e separação, espera e abandono tratou de encantar em poesia. Por carta novamente a prole dos Bezerra deu corpo ao Cedro do velho João. Fez reviver os romances de amor, o lirismo dos trovadores, mas também os torneios cavaleirescos, os desafios, as disputas, os repentes, o humor corrosivo, o sarcasmo até, a valentia, a pabulagem, a briga, a dor, a traição, o ciúme, a intriga (por que não?), todos eles ingredientes indispensáveis para uma cantoria cheia de suspense ou para um cordel repleto de imprevistos.

Na correspondência mantida entre Idalzira, filhos e neta, a vida se faz arte e a realidade se encanta em ficção. Entre afetos e notícias trocados por mãe e filhos, os poetas inserem ingredientes propositalmente artísticos. Primeiro são os filhos que, brincando, fingem querer suplantar a mãe na arte poética. Ela como resposta lhes dá um puxão de orelha: – Respeita Januário! Depois, Joan e Erivan disputam a atenção e o amor de Idalzira simulando brigar por ela. Tudo para impressionar a mãe. E saem por aí, trocando rima, se exibindo para Idalzira, travando desafios, fingindo que a luta é só de brincadeira, pra mãe não se chatear com a arenga dos filhos. Em seguida, vêm os desafios lançados dos filhos à mãe e aceitos para saudar com versos cada neto que nasce, cada filho que casa, cada novo acontecimento na família. Mais adiante, é Joan que, para chamar atenção, se mostra escandalizado com o casamento da irmã e inventa de fazer graça, transformando aquilo num fato extraordinário.

A verdade é que nessa correspondência poética, não se sabe em que direção vai o fingimento, se no sentido de fazer a dor parecer maior para torná-la mais eficazmente artística, ou se no sentido de fazê-la artística para que se torne mais suportável. Não se pode precisar se a queixa da mãe é um pretexto para fazer poesia ou se fazer poesia é uma forma da queixa não se tornar aborrecida (porque sempre com muito bom humor), ou seja, da queixa poder ser feita reiteradamente, isto é, de fingir estar usando o pretexto da queixa para fazer poesia, quando a mãe quer mesmo é se queixar da falta de notícias do filho. Daí vem o dito de Fernando Pessoa colocado na abertura desse texto.

Muitas são cartas comuns como as de mãe orientando o filho, aconselhando o filho que se candidatou a vereador, ou a do filho consolando a mãe saudosa, outras da mãe com críticas e comentários políticos, mas há até mesmo cartas inusitadas como a do filho dando conselhos à mãe, escrita por ele como se aconselhasse uma filha, com muito humor e descontração. Depois entra a neta Geórgia na conversa e mantém o nível poético da correspondência, agora entre avó, filhos e neta.

Afinal, são cartas que ajudam a transformar a saudade em arte, a dor em vida, a solidão em beleza. Cartas que viraram atração entre os amigos de Joan e Erivan, lidas para o coletivo de estudantes. Cartas que, acima de tudo, revelam um imenso amor entre os três, agora quatro, sentimento bem traduzido nesses versos de Erivan para a mãe: “Me despeço de antemão/Já com saudade no peito/Mas sinto que é o jeito/Pois o tempo é um balão/Voando de hora em hora/Minha vontade era agora/Lhe mandar meu coração.”

Por tratar-se de um livro de correspondência poética, entre uma mãe e os seus, a obra já teria assegurado seu interesse e sua originalidade. De quebra, Idalzira ainda nos brinda com uma série de sonetos e outros poemas, em que fala de sua vida, de seus sentimentos, de sua família, de seus alunos e de sua terra, o Cedro. Trata-se, além do mais, de uma crônica do cotidiano rural, de um rico testemunho dos costumes, da política, da vida nos sítios, dos valores morais e do imaginário de uma vila sertaneja, onde ainda havia tempo e espaço para traduzir o mundo em poesia.

(1) Município do Alto Sertão do Pajeú pernambucano, berço de tantos poetas e cantadores famosos, entre os quais Rogaciano Leite e os irmãos Batista, Lourival, Dimas e Otacílio.

* Oswald Barroso é professor universitário, poeta, dramaturgo e pesquisador da cultura popular


Fonte: PORTAL VERMELHO - http://www.vermelho.org.br/

NOTÍCIA DO PORTAL VERMELHO


Aconteceu em
18 de dezembro
Guerrilha da Sierra Maestra: ao centro, Fidel
1956 - Dia da Sierra Maestra
Os guerrilheiros cubanos que sobrevivem ao desembarque do Granma reúnem-se, na Sierra Maestra. A serra será o 1º núcleo da revolução vitoriosa em 1959.
1889:
Motim de praças, severamente reprimido, no Rio de Janeiro.
1915:
Sufocado levante de praças contra os baixos soldos na Vila Militar, Rio; 256 presos.
1940:
Decreto secreto de Hitler ordena que se prepare a invasão da URSS.
1972:
Auge do bombardeio do Vietnã do Norte pelos EUA.
1987:
Decreto de Sarney proíbe a pesca da baleia em águas brasileiras.
1987:
Comício por diretas em 88 reúne 15 mil no Rio de Janeiro.
1989:
Marines dos EUA invadem o Panamá, a pretexto de prender o ex-presidente Noriega. Mil mortos, 1.500 presos.
1997:
O oposicionista Kim Dae-jung elege-se pres. da Coréia do Sul, na esteira da crise asiática. Início do degelo entre as Coréias do Norte e do Sul.
2005:
Evo Morales, indígena aimará, sindicalista e dirigente do antiimperialista MAS (Movimento ao Socialismo), é o 1º presidente da Bolívia a se eleger no 1º turno, com 53,7% dos votos.
Evo

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

ANDAR

Foto de Diogo Stálin Araújo
O problema sugere a solução,
a catástrofe o nada mais.

O vento sopra,
o rio viceja,
a flor se espalma e se revolta...

Todos
buscam a dianteira
e grande é o cortejo:
terço,
rosário,
bendidos e malditos,
cânticos e sacrifícios.

E tudo se redesenha
numa grotesca imagem de incertezas,
retrato da nossa existência...

Cacá Araújo
Crato-Cariri-Ceará-Brasil

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

NOSSA IDENTIDADE PULSA

Catirina e Mateus do Reisado Decolores Dedé de Luna do Muriti (Crato-CE) / Foto de Cacá Araújo

O Folclore nordestino é a expressão máxima da fusão de mundos que se deu no doloroso processo de colonização em terras brasileiras. Neste contexto, o Cariri cearense é uma das maiores vitrines da cultura tradicional popular, mostrando raízes profundas e demonstrando resistência e teimosia quando se trata da manifestação de folguedos, brincadeiras e festas tradicionais que nos remetem à nossa ancestralidade.

Às novas gerações deve ser ofertado o banquete das matrizes culturais que podem explicar o passado, consolidar a identidade e fortalecer o espírito de soberania, sentimento de pertença e auto-estima. Os folguedos populares, patrimônios imateriais, são peças fundamentais da antropologia, posto que contam sobre costumes, crenças, comportamento, organização social.

Cientes da importância estratégica da cultura no desenvolvimento da nação, a sociedade e os poderes públicos devem atuar mais vigorosamente na organização e defesa das manifestações tradicionais populares, procurando, neste sentido, resgatar, preservar, desenvolver e difundir o Folclore e a Cultura Popular como referências na construção da alma nordestina e brasileira.

Nós somos um povo plural, como todos os outros, em todos os aspectos, o que não significa dizer que tenhamos que ser depositários do lixo cultural produzido pela humanidade. Ser plural é possuir variadas dimensões numa mesma existência; é contemplar no indivíduo a multiplicidade do espírito e do imaginário formadores da alma do povo, sacralizada e profanada pela mesma mão. Tudo obrado não pelo acaso, mas fruto do amalgamar que os séculos anteriores ofertaram em festa, em guerras, em tempos de bom e de mau humor dos ritos da natureza, dos animais, dos homens, das coisas.  

Precisamos fortalecer o movimento em defesa da cultura tradicional popular como forma de resgatar as mais profundas raízes dos povos do sertão nordestino, tomando-as pela universalidade, evidenciando as manifestações que traduzem a variedade de influências que marcaram a alma do nosso povo: o canto, a dança, o verso, a religiosidade, a história.

Nestes tempos de neo-imperialismo, devemos construir um caminho original e naturalmente legítimo de autodeterminação cultural, sem negar as raízes formadoras e afirmando uma cultura própria, resultante desse caldeamento que se insere no contexto histórico e não cessa, ganhando e perdendo novos elementos, seguindo o curso dialético da transformação cotidiana de homens e povos.

Fortaleçamos as trincheiras de combate à agressão cultural perpetrada pelo império dos potentados da economia mundial, que contam com a complacência de muitos agentes da mídia e da política nacional a serviço de interesses estranhos à Nação brasileira.

Cacá Araújo
Professor, Dramaturgo, Folclorista
cacaraujo66@yahoo.com.br
Crato-Cariri-Ceará-Brasil